Há hoje no Brasil uma discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a legalidade da cobrança de ICMS sobre as contas de luz, mais especificamente, sobre a incidência desse tributo sobre duas taxas chamadas TUST e TUSD que estão presentes nas nossas contas de energia elétrica.
Saba-se que o ICMS é um dos tributos de maior complexidade e importância do Brasil e entender suas principais características é essencial para resolver a questão da ilegalidade de sua cobrança sobre as contas de luz.
Ora, perguntas como “quem pode ajuizar a referida ação de restituição?”, “energia elétrica é considerada mercadoria?” “energia elétrica circula?” podem ser respondidas através da compreensão do fato gerador, da base cálculo e do sujeito passivo desse tributo.
Uma das principais conclusões nesse sentido é a de que o consumidor final de energia elétrica possui sim legitimidade ativa para propor ação perante o judiciário para fins de requer restituição de ICMS pago ilegalmente.
Ademais, para continuar a compreensão, deve-se analisar o contexto referente ao setor elétrico brasileiro e seus conceitos mais importantes. Nesse passo, sabe-se que existem três etapas até a chegada da energia ao consumidor final: geração (hidrelétricas, por exemplo); transmissão (concessionária) e distribuição (concessionária).
Com o advento da Lei nº 10.848/04, o setor elétrico brasileiro passou por uma restruturação, possibilitando a comercialização de energia elétrica. Assim, criaram-se dois ambientes de contratação de energia elétrica, um ambiente de contratação regulada (consumidor cativo) e outro ambiente de contratação livre (consumidor livre).
Assim sendo, em cada ambiente há um modo específico de custear a energia elétrica. Nesse sentido, os consumidores livres poderão negociar diretamente com a geradora de energia o preço e a quantidade de energia que irão precisar e, em momento separado, terão de formalizar contratos regulados pelo setor público de conexão e utilização dos meios de distribuição e transmissão desta mesma energia, entre eles o CUSD, o CUST.
No ambiente regulado o custo da energia e das tarifas é cobrado em sua totalidade na conta de luz. Esses valores são discriminados de forma separada pelas seguintes siglas: TE, que corresponde ao valor da energia gerada; TUST, que corresponde ao valor da tarifa de transmissão; e TUSD que corresponde ao valor da tarifa de distribuição.
Portanto, quase todos nós nos encontramos nesse último ambiente, de consumidores cativos, que não compram energia elétrica diretamente com a geradora!
Assim, voltamos a pergunta principal: é legal incluir as tarifas TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica?
Duas premissas nos guiarão nessa resposta: a. energia elétrica é sim considerada uma mercadoria e, portanto, sujeita à incidência do ICMS; b. o fato gerador do ICMS sobre energia elétrica é a saída dela do estabelecimento do fornecedor (gerador) e sua efetiva entrega ao consumidor final e; c. a base de cálculo deverá ser o correspondente ao preço praticado na operação final.
Com base nessas premissas nasceu no judiciário duas correntes a respeito da legalidade da TUST e TUSD comporem a base de cálculo do ICMS, hoje em sede de Repercussão Geral ssobTema 986 do STJ (Superior Tribunal de Justiça).. A primeira, defendida pela Segunda Turma do STJ, afirma que as etapas de transmissão e distribuição não fazem parte do fato gerador do ICMS, uma vez que, apenas e tão somente, disponibilizam um equipamento de transporte dessa energia, sem, no entanto, agregar qualquer transformação e circulação econômica dela, acrescentando-se, nesse ponto, que transporte não é fato gerador do ICMS sobre energia elétrica.
Por sua vez, a segunda corrente, nascida em 2017 na Primeira Turma do STJ, defende que é legal a referida cobrança, uma vez que em razão da especificidade do setor elétrico é impossível concretizar o fato gerador sem a transmissão e/ou distribuição de energia elétrica. Assim, essas fases compõem um único momento que apesar de distintos ocorrem tão simultaneamente que não podem ser segregados fisicamente. Desse modo, entendem que, tendo como a base de cálculo do ICMS o valor da operação final, é irrelevante para o fisco a natureza jurídica das parcelas que o compõem. E nesse passo, é inegável que cada etapa possui um acréscimo de valor agregado.
Há ainda uma terceira corrente que admite a não incidência das referidas tarifas no ambiente de contratação livre. Para eles, em razão de existirem dois momentos de contratação, um para compra de energia e outro para o uso dos sistemas de distribuição e transmissão, o fato gerador se dá somente no contrato de fornecimento de energia elétrica não podendo agregar o valor das tarifas ao preço final da operação de fornecimento e, portanto, não podendo compor a base de cálculo.
É visível que há vários argumentos propícios e auspiciosos em todas as correntes estudadas, gerando uma expectativa para todos os consumidores, sejam eles livres ou cativos, em ralação ao que será definido pelo STJ.
E se o referido Tribunal entender pela ilegalidade da incidência do referido tributo TODOS nós (pessoas físicas e jurídicas) poderemos requerer a restituição dos valores pagos de ICMS, dos últimos 05 anos, sobre nossas contas de luz. E isso certamente irá reduzi-la!
Vale dizer que, mesmo sem a referida decisão definitiva, muitas pessoas já ajuizaram ações para requerer a referida restituição e não incidência!
Interessante não é?
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Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica.